Microfone escondido
Leonor achou a ideia péssima, mas Ataíde insistiu: botar um microfone escondido no elevador do prédio seria muito divertido. Não queria ouvir o que os vizinhos diziam, subindo ou descendo pelo elevador. Os vizinhos não interessavam. Divertido mesmo seria ouvir o que os amigos do casal diziam, chegando ou saindo do apartamento.
- Vai dar galho, Ataíde...
- Vai nada.
E Ataíde instalou um microfone no elevador.
O primeiro teste foi quando convidaram o Júlio e a Rosa para jantar.
Ataíde ouviu Júlio dizer para Rosa dentro do elevador, na subida:
- Às onze horas a gente dá o fora.
- Acho que às onze ainda não serviram o jantar. Se eu conheço a Leonor...
- Não importa. Às onze nos mandamos. Amanhã eu tenho academia.
E Ataíde ouviu Júlio dizer para Rosa dentro do elevador, na descida:
- Saco, Rosa. Uma hora da manhã. Não viu eu fazer sinais prà gente ir embora?
- Aquilo era um sinal? Pensei que você estivesse limpando o ouvido.
Outro jantar. Aniversário do Ataíde. Os dois últimos casais saem juntos. Ataíde corre para ouvir o que vão dizer no elevador.
- O Ataíde está meio acabadão, tá não?
- Acho não. Prà idade dele...
- Também, ter de aguentar a Leonor...
No apartamento, Leonor se revolta:
- Quem disse isso? De quem é a voz?
- Parece a da Soninha - diz Ataíde.
- Cachorra!
Outro jantar. Ligam da portaria para anunciar que o Sr. Marcos e a Dona Lia estão subindo. No elevador, Lia diz:
- Se a Leonor servir salmão outra vez, eu me mato.
Depois, Lia não entende a frieza da Leonor com ela durante todo o jantar. Não sabe que Leonor teve de suspender o salmão que serviria. Que substituiu o salmão por um resto de pernil que, graças a Deus, ainda tinha na geladeira.
Descendo no elevador, Lia comenta com Marcos:
- A Leonor enlouqueceu. Você viu? Serviu pernil com molho remolado pra peixe.
Leonor anuncia que nunca mais convidará Lia para nada. Depois de um jantar para os amigos que ainda restavam, os melhores amigos do casal foram os últimos a sair. Marjori e Adão. Amigos chegadíssimos. Amigos de muito tempo. Depois das despedidas, depois de fechada a porta do elevador e de o elevador começar a descer com Marjori e Adão, Ataíde hesitou. Talvez fosse melhor não ouvir o que os amigos iam dizer a respeito deles e do jantar no elevador.
- Você acha? - perguntou Leonor.
- Melhor não. Você tinha razão. Não foi uma boa ideia botar esse microfone.
- Mas agora está posto. Vamos ouvir.
- Leonor... Nós vamos acabar brigando com todos os nossos amigos.
- Eu quero ouvir, Ataíde. Preciso ouvir o que a Marjori e o Adão estão dizendo!
O que ouviram foi o fim de uma frase dita pelo Adão:
- ...cada vez mais chato.
- Viu só, Ataíde? - disse Leonor. - É sobre você.
- Porquê eu? Tinha mais gente no jantar!
- Sei não... Sei não...
E nunca saberiam mesmo. No dia seguinte, Ataíde tirou o microfone escondido no elevador.
Luís Fernando Veríssimo, in “Expresso”, Julho 2009
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