terça-feira, 11 de dezembro de 2012

O que pode o Sporting aprender com 60 mil mortos?


A batalha de Canas e o Sporting. Fabuloso cocktail de Branding, servido por Ricardo Miranda, um benfiquista assumido.
http://buzzmedia.controlinveste.pt/artigos-de-opiniao/37/ricardo-miranda/sporting-second-life

Sporting second life
Este artigo começa com sangue. Imagine uma planície gigante, vermelho-coágulo, coberta por 60 mil cadáveres. As suas mortes não foram bonitas. Castigado por temperaturas superiores a 30 graus, armaduras pesadas, a falta de pequeno-almoço e uma estratégia militar inferior, um dos exércitos foi habilmente cercado e completamente aniquilado. Sem forma de fugir e confrontados com a morte iminente, os soldados suplicaram uns aos outros que lhes dessem um golpe de misericórdia. É um comportamento comum, dizem os psicólogos militares. A morte acabou por vir. Houve suicídios, ataques de pânico, choros, desmaios, corpos esmagados pelo peso dos colegas, mas a maioria aceitou passivamente a estocada mecânica dos soldados inimigos, como quem diz “acaba lá com isto”.
É um fim de tarde do dia 2 de Agosto do ano 216 antes de Cristo. Esta planície fica perto da cidade de Canas, algures a meio da bota de Itália. Os combates pararam. Ao longe é capaz de ouvir os festejos de um exército de mercenários cartagineses. A liderá-lo esteve um génio militar que respondia pelo nome de Aníbal. Os seus homens eram cerca de 50 mil no começo do dia e apenas 8 mil não se levantarão amanhã. Aníbal foi um Mourinho militar da antiguidade que venceu todas as batalhas menos a última, mas não é este homem que nos interessa. Este artigo é sobre os mortos.
Disputados por bandos de corvos e gaivotas, encontram-se cerca de 53 mil legionários e oficiais romanos sem vida. De um total inicial de cerca de 86.400. O maior exército constituído, até à altura, por uma cidade emergente chamada Roma. E a maior derrota sofrida na sua história militar de 1200 anos. Tão traumática e humilhante foi este fracasso que os legionários sobreviventes foram amaldiçoados e proibidos de voltar a Roma. A cidade ficou em estado de choque. Todas as famílias, nobres e plebeias, perderam familiares. Parecia que Roma nunca mais seria nada na vida. Mas não foi isso que aconteceu. Roma não só recuperou da derrota no espaço de uma década, como destruíu Cartago, a cidade arqui-inimiga e se converteu no maior império sobre a terra.

A minha pergunta é: como é que isto é possível? Como se vai “from nada to Prada”? Como se transformam falhados em vencedores?

Se pedirmos ajuda ao branding, ele ajuda-nos a perceber umas coisas. A primeira é que todas as grandes marcas começam com um conceito de rutura. Uma espécie de contrato estabelecido entre os fundadores da marca, que lhe serve de arranque e GPS ao longo do caminho.
Roma tinha um conceito fundador “what the f***” para a altura: “romanos eram todos os que quisessem ser romanos”. E não surgiu por acaso. Rómulo e Remo foram 2 gémeos expulsos da sua tribo que vaguearam por Itália, a que se foram juntando falhados como eles. Ser nómadas implicava andarem sempre à pancada, pelo que se fixaram numa aldeia de pescadores do Lácio, com vista para o rio Tibre, a que chamaram Roma. Como a única coisa que tinham em comum era quererem estar juntos, passaram a aceitar todas as pessoas que quisessem estar com eles. Mesmo quando começaram a vencer os povos da periferia, matavam os lutadores, vendiam parte como escravos, mas a maioria da população passava a ser romana. Com acesso a todas as suas mordomias: estradas, tribunais, spas, comércio, paz dentro das fronteiras. Só tinham que pagar impostos, dar homens para as legiões e não se rebelarem. Os romanos foram os primeiros a lidar de forma eficaz com os emigrantes: absorviam-nos e pronto. Este conceito de agregação era novo em 753 a.C. E foi a tábua de salvação quando, 500 anos mais tarde, o exército romano é aniquilado em Canas. Qualquer outro povo, teria de fazer mais filhos, esperar que crescessem e treiná-los. Ou gastar as reservas de ouro a contratar mercenários. Os romanos pediram novos soldados aos povos recentemente incorporados. Graças ao seu conceito fundador, acabaram por se tornar na 1ª marca à escala planetária.
A Disney também teve a sua “batalha de Canas” nos anos 1980. Com filmes desinspirados como “Taran e o Caldeirão Mágico” ou o “Rato Basílio”. Parecia que já não se levantava. O segredo do regresso começou no conceito fundador que foi recuperado pelos colaboradores: “magia infantil” – continuarem a produzir filmes que deslumbrassem os mais pequenos. “A Pequena Sereia”, “A Bela e o Monstro”, “O Rei Leão” trataram disso. A Disney está hoje mais forte do que nunca.
A Apple teve muitas “Canas” de 1985 até ao regresso de Jobs, em 1996. Mas o conceito fundador nunca se perdeu: “user friendly”. Máquinas amigas do utilizador (até no design minimal) como o iMac, iPod, iTunes, iPhone, iTab. Hoje, e segundo alguns indicadores, é a marca mais valiosa do planeta. O que nos traz a uma das grandes marcas portuguesas a enfrentar a pior “batalha de Canas” da sua existência: o Sporting Clube de Portugal. O descrédito é geral. Os resultados desportivos têm sido muito abaixo do esperado. Como se recupera disto? Escusa de pensar que sei a resposta. Não sei. Mas posso contribuir.

O Sporting tem uma caraterística que toda a gente identifica e que os outros grandes clubes não têm: capacidade de sofrer. Só que este sofrimento à Sporting encerra uma grande virtude: constrói caráter. Preparar as pessoas para a dureza da vida é dotá-las de uma caixa de ferramentas para serem bem sucedidas (os irlandeses que o digam). E é aqui, na construção do caráter, que pode estar o renascimento do Sporting, a partir do seu ADN.

Os benfiquistas unem-se à volta da força do seu coletivo. Os portistas unem-se à volta da força do seu presidente. O sportinguista tem de se estruturar na força do seu caráter. Talvez seja esta a verdadeira nobreza de que os sportinguistas falam e o conceito que pode servir de desfibrilador. Coletivos desagregam-se. Presidentes morrem. O caráter, fortalecido pelo sofrimento, perdura. E se souber encontrar a sua oportunidade, como aconteceu com Roma, Disney, Apple, pode renascer.

Nota: sou um benfiquista fervoroso com a perfeita consciência de que não existe Benfica sem Sporting.

Ricardo Miranda - Brand Voice Concept Creator na Brandia Central

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