segunda-feira, 29 de junho de 2009

O povo é ingrato?

"(…) Portugal mudou de ícone popular. Mantendo o senhor Tony Carreira como ídolo entre os artistas da canção - pois ele é um homem que, por cantar sempre o mesmo, entra muito no ouvido das pessoas e no goto das empregadas de comércio -, virou-se para aquele bisneto do senhor Vasco Santana que andou aí por cartazes com um fato às riscas e com uma promessa de assinar por baixo. Chama-se Dr. Paulo Rangel e é a nova vedeta da política. Caiu em Graça, ganhou as eleições e pôs lágrimas nos olhos daquela santinha que é a Drª Manuela, a cuja não chorava assim desde que lhe nasceu o último neto (ou talvez desde que a dívida pública chegou a quase 100 por cento do PIB). (…)

Mas por que motivo se tornou popular o Dr. Rangel? Por uma razão assaz simples e que vários manuais de ciência política já estudaram: porque o popular anterior, o Engº Sócrates, se tornou impopular. E o povo português, que nisto é muito português, depois de ter idolatrado o Engenheiro, volta-lhe costas e diz: «O Engº o caraças! O Engenheiro não faz nada por nós! Aquele, o outro, como é que se chama, o da Manuela, é que é um gajo às direitas, que disse que não queria mais socialismo». (…)

Entretanto, estará o Dr. Rangel a encher-se de si. Dêem-lhe mais uns tempos (o número de anos depende da qualidade do material) e estará insuportável. Estará cheio de si, à espera do seu desígnio, quando vem o povo e escolhe outro qualquer para ser o mais popular. Dir-se-á: povo ingrato, que não agradeces a quem tanto trabalha por ti.

Ah, mas ainda bem que o povo é ingrato, porque é nessa ingratidão total que reside o segredo da democracia. É nessa abrupta passagem de bestial a besta que reside a lição de humildade de que a História só exime uns poucos. E esses poucos eximidos de tão terrível guilhotina, tiveram dentro de si o segredo da sua longevidade: Foram grandes porque nunca se levaram a sério! Nunca pensaram ter qualquer desígnio!

É esta a lei secreta. Pode ser que ainda haja por aí quem a aprenda."

Comendador Marques de Correia in "Expresso"

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